“Frankenstein” de Del Toro: Uma Visão Deslumbrante e Aterradora

Guillermo del Toro apresenta finalmente o seu projeto de paixão, “Frankenstein”, uma adaptação visualmente potente do romance clássico de Mary Shelley. O realizador mexicano, conhecido pela sua relação próxima com a Netflix através de projetos como “Pinóquio” e “Cabinet of Curiosities”, lança agora uma das obras fundamentais da literatura fantástica. O filme, com quase duas horas e meia de duração, terá uma estreia limitada nos cinemas a 23 de outubro de 2025, chegando ao streaming a 7 de novembro. Dada a sua força visual, a experiência em ecrã gigante é amplamente recomendada.

O Clássico Revisitado

Apesar de Guillermo del Toro descrever o romance de 1818 como a sua “Bíblia”, não se deve esperar uma adaptação totalmente fiel. Desde criança, o realizador sentiu-se sempre mais próximo da criatura do que do cientista que lhe deu o título. Os monstros e os marginalizados pela sociedade são, frequentemente, o núcleo da sua obra cinematográfica. Consequentemente, nesta versão, a criatura ganha uma complexidade muito superior. Del Toro consegue, à semelhança de Francis Ford Coppola em “Drácula de Bram Stoker”, manter-se fiel à essência da história, ao mesmo tempo que introduz abordagens novas e modernas.

O Início no Gelo

Tal como no livro, a narrativa começa no seu final, no gelo eterno do Ártico, no ano de 1857. A tripulação de um navio preso no gelo resgata um homem gravemente ferido – o Barão Frankenstein. Pouco depois, são confrontados por um gigante de força sobre-humana que exige a entrega do estranho. É então que Frankenstein inicia a sua “confissão” ao capitão, uma história marcada por motivos religiosos sobre a ambição humana de se sobrepor à natureza. O filme está dividido em três capítulos: o prelúdio, a história de Victor e a história da criatura.

Um Conto Gótico de Pais e Filhos

É na história de Victor que Del Toro toma as maiores liberdades criativas. O filme transforma-se num conto gótico sombrio focado na relação pai-filho, onde os pecados dos mais velhos se refletem nos descendentes. Victor culpa o pai pela morte da mãe, que faleceu no parto do segundo filho. Esta obsessão com a morte leva-o a estudar em Edimburgo (em vez de Ingolstadt) com o objetivo de derrotar a mortalidade. É aí que conhece um mentor, interpretado por Christoph Waltz, uma figura paternal, mas profundamente sinistra, que lhe fornece um laboratório e partes de corpos para criar o seu “super-homem”.

Uma Criatura de Beleza e Dor

Ao contrário de muitas adaptações, Del Toro rejeitou a ideia de uma criatura como um simples “retalho”. O realizador procurou a beleza. A criatura, interpretada por Jacob Elordi (sob próteses), assemelha-se mais a uma estátua de alabastro. A sua alma é igualmente sublime, algo que o seu criador, cada vez mais consumido pela loucura, é incapaz de ver. Outras mudanças significativas incluem o papel de Elizabeth (Mia Goth), que aqui não é noiva de Victor, mas sim do seu irmão, e que desenvolve uma ligação com a criatura, reconhecendo nela uma alma sofredora.

Horror, Drama e Potencial de Óscares

Filmado em Glasgow e Edimburgo, o filme é visualmente fantástico, não só na sua estética de horror gótico, mas também na representação das experiências e do despertar da criatura. Raramente “Frankenstein” foi tão assumidamente terror como nesta versão. No entanto, o filme transcende o género, sendo também ficção científica e, acima de tudo, o drama de um homem consumido pela sua própria arrogância. Embora a história central trate de rejeição e ódio, o seu núcleo é a busca por amor e perdão. Esta grandiosidade visual e emocional, digna de consideração para os Óscares, é típica de Del Toro, embora alguns críticos apontem uma abordagem psicológica pouco subtil e um final que resvala ligeiramente para o “kitsch”.